sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Voando pela vida

Vinha voando pela vida quando te vi sentado num bar. Um botequinho daqueles... De esquina, em que se toma rabo de galo e se joga truco... Um botequinho daqueles... De cadeiras e mesas de metal, em que se come pastel com molinho, que não se sabe o que tem dentro...

Vinha voando pela vida quando aterrissei. Cumprimentei seus amigos, tomei uma dose de vodka, amarga como teu olhar, embriagante como tua pele, densa como teu sorriso... E voltei a voar pela vida...

E pela vida comecei a freqüentar aquele bar... A vodka me lembrava nuvens, e as nuvens àquela vodka... Quando não estava voando pela vida, estava mergulhando no meu copo... Passei a ser aquelas pessoas que freqüentam botequinhos... Aquelas que fumam Marlboro e jogam buraco... Daquelas pessoas que freqüentam botequinhos... Que vêem a vida voando e passando, mas raramente voam nela.

E quando já estava quase completamente entregue à vida de pessoas de botequinhos, olhei para o céu e te vi voando pela vida... Planei pela rua, até chegar à praça de estrelas. Cumprimentei seus amigos e comi um pedaço de nuvem... Uma nuvem branca como seu sorriso, macia como sua pele e molhada como seu olhar... Comi mais um pedaço de nuvem, cumprimentei seus amigos, e sai voando pela vida...

Me tornei daquelas pessoas que voam pela vida, daquelas que raramente vêem a vida, mas voam por ela... Me tornei uma daquelas pessoas que voam pela vida e se alimentam de nuvem... E disso, fazem sua vida toda: dançam com as estrelas, voam e comem nuvem... E a nuvem me lembrava vodka, e a vodka me lembrava nuvens, e tudo numa gigante garrafa me lembrava você...

Estava voando pela vida quando te vi passar... E pensei que nuvens, vodka e estrelas são tão interessantes... Estava voando pela vida quando te vi passar chocho, sem graça, com seu sorriso amarelo, seus olhos frustrados e sua pele seca... Aterrissei, cumprimentei seus amigos e lhe dei um pedaço de nuvem e um trago de vodka.

Você virou daquelas pessoas que não são como aquelas pessoas... E saiu voando a procura de mim... E quando me encontrou, viu que via um espelho. Viu que via o que nunca queria ver. Éramos nós aquelas pessoas que não sabiam que eram as mesmas pessoas. Daquelas que voam pela vida e sentam nos botequinhos a procura de si mesmas.

E quando nos encontramos, me peguei no colo... E me pegar no colo me lembrou a céu sem nuvens e o calor do sol... E me pegar no colo foi como flutuar sobre a lua cheia. Uivamos e voltamos para as nuvens, estrelas, vodka, lua e sol. Com a certeza de quem éramos e sem medo de nos desencontramos, afinal, éramos o que éramos e só nós mudaríamos isso.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A Flor Rebelde.


Podaram a roseira. Quadrada
Uma flor, Rebelde,
Espinhenta e vemelha,
Floresceu REDONDA.

O vento passou
Levou folhas
E levantou saias.
Mas a flor ficou.

Veio a tempestade
Levou galhos,
Encrespou cabelos...
E a flor ficou.

Os homens pensaram:
" O que vamos fazer com essa flor rebelde?"
E a solução que lhes veio foi: PODÁ-LA!

E a flor redondamente calma, reagiu:
"Cada vez que me podarem, eu renascerei
Mais flor, mais forte,
Mais vermelha e redonda!"


*("Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera." - Ernesto "Che" Guevara)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Uma Mulher de Almodóvar




Não sou como as mulheres comuns,
Sou todas
E nenhuma,
Sou tudo
E quase nada.
Sou o vento, a brisa e o mar...
Sou um vão
Que muito tem pra contar,
Sou um buraco na sociedade
Que o mundo tenta tampar.
Sou uma lenda
E uma história comum
Sou alguém
E apenas mais um.
Não sou como os seres normais
Sou surtada
E podada.
Não visto as roupas comuns
Ando despida
Vestida com as verdades do mundo,
Vestida de fome
Miséria e tristeza
Vestida de boemia,
De festas e Baco.
Não cultuo as religiões comuns,
Cultuo a vida e o seu fim,
O começo de tudo em mim,
Os homens e os animais,
A razão dos seres irracionais.
Sou mais uma entre todos
Somos todos mais um entre todos
Somos uma multidão de pessoas que não são como os outros.
Ninguém é comum,
Num mundo de mais um.
Outro é alguém
E eu sou ninguém.
Somos onda, espuma e barro
Tudo junto, num enorme jarro
Despeja a vida na humanidade
E deixa florescer entre egoísmo e caridade
Um pouco de amor e verdade.
A cada gota nasce uma nova
E de cada nova uma outra.
Assim forma-se um dilúvio
E isso só se passa na cabeça de mais um
Que não é qualquer um.
Mas alguém, no mundo considerado ninguém.
E de ninguéns forma-se uma sociedade
Enorme e lavada
De jarro e de barro
De vida e de sol
De pinho e etanol
Purifica-se ninguém
Enquanto nascem alguéns.